sábado, 5 de julho de 2014

ORFANDADE CELESTE

Imagem: Google

Antonio Silva

            Era uma típica manha de inverno, fria e chuvosa. Eram mais ou menos sete e quarenta e cinco da manhã quando eu peguei minha mochila e meu guarda-chuva e segui rumo à parada de ônibus.
            Naquele horário não apenas a rua, mas, a cidade já está calma de novo, pois todo o movimento de pessoas a pé, de bicicleta, carros, motos, ônibus já havia ocorrido aqui à obrigação chama cedo. Quem tinha que ir trabalhar já tinha ido e quem não tinha deveria estar embaixo das cobertas sonhando ao som da sinfonia da chuva no telhado.
            Logo que sai de casa já estava na parada, como sempre estaria sozinho até o ônibus chegar. Mas antes mesmo de chegar na parada já vi o que mudaria minha manhã. Estava deitado a beira do cordão um pombo morto parecia estar aconchegado no frio e molhado asfalto, parecia querer encolher-se para não morrer de frio, mas, já estava morto.
            Aquele corpo penoso para muitos poderia não significar nada, mas desde que o vi não consegui tirar os olhos dele fiquei imaginando como teria sido a sua morte. Cheguei a pensar que ele pudesse ter sido atropelado por um avião, mas desconsiderei, pois ali nem passam aviões isso foi apenas conclusão de uma imaginação fértil. E sim conclui que ele deveria ter sido atropelado pela pressa de alguém em não se atrasar para o trabalho.
            Cheguei a voltar no tempo da infância quando meus primos e eu tínhamos bodoques ou estilingues como queiram e passávamos o dia inteiro a tentar acertar os pássaros, inclusive pombos iguais a esse que estava morto encostado no cordão e que servia de obstáculo para o pequeno riozinho que se forma em dias de chuva, graças a um desnível do asfalto, mas a água em sua sabedoria ou indiferença contornava o cadáver do pombo e seguia.
            Mas, voltando a minha infância, posso dizer que talvez tenha sido na visão dos primos uma criança fracassada, pois jamais matei um passarinho o mais perto que cheguei foi acertar no galho onde ele estava, mas ele já havia voado antes, o que hoje para mim é motivo de orgulho, pois não carrego em minhas lembranças o peso de uma morte.
            Esse fato fez-me lembrar da crônica Sabiá de Guerra, do meu amigo Luís Henrique Pellanda, Publicada na Gazeta do Povo, que conta a história um menino debruçado sobre o cadáver de um sabiá. Luís relata que ao conversar com o menino a primeira coisa que ele diz é “Não fui eu” e pega o passarinho amarra uma fita vermelha em uma das pernas do animal e diz “Vou pra casa, ressuscitar esse passarinho”. Por instantes desejei que esse menino realmente existisse e que aparecesse ali, e amarrasse uma fita vermelha na perna daquele pombo e dissesse para mim que iria para casa ressuscitá-lo.
            Enquanto eu estava ali, de fato ele não apareceu. Tente parar de olhar para cena, pois talvez já estivesse triste o suficiente, e também porque também já tivesse entendido o porquê daquele dia estar chuvoso e escuro, era a natureza de luto pela morte de um de seus filhos.
            Ao desviar o olhar acabei parando em um coqueiro um pouco a frente da parada, lá estavam vários pombos da mesma cor daquele que havia sido atropelado. Fiquei um tempo a observar e percebi que continuavam a chegar mais pombos e sentarem na árvore todos virados em direção ao pombo morto. Da maneira deles pareciam vir se despedir do companheiro.
            Até mesmo os pombos são solidários na hora da morte.


PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE NOVA HARTZ SEMANAL ANO X EDIÇÃO N° 343 SEXTA-FEIRA 04 DE JULHO DE 2014

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