Portinari
Antonio Silva
Há
alguns dias atrás, por instantes, me reencontrei com minha infância, vi uma
mesa de futebol de botão. Eu nunca tive uma daquelas, nem sequer joguei futebol
de botão na minha infância. Mas lembro com carinho e certa saudade de quando eu
e mais dois amigos resolvemos montar uma mesa, reunimos papelão e tintas para
confecciona-la e nossas economias seriam usadas para comprar os botões. A ideia
acabou por não dar certo e esquecemos-nos do assunto.
Recordei tudo isso ao ver uma mesa
em processo de abandono em alguma residência por ai, digo processo, pois ela
estava jogada ao relento no fundo da casa, e também porque naquele momento
estava sendo instalada na casa uma antena para o sinal da internet.
Ali tive certeza absoluta que a mesa
sairia de campo, que o futebol de botão ficaria para trás, que seria
substituído por alguma das maravilhas tecnológicas atuais que contribuem
diretamente para o isolamento e o empobrecimento intelectual.
A mesa seguia ao relento,
indiferente ao tempo, ao sol que a castigava, parecia prever o fim próximo,
parecia não se importar com mais nada. Sabia que o abandono era certo, que dali
em diante sua melhor companhia seria a chuva e o vento.
Não sei se seu dono ou dona
sentiriam saudades, não sei se sentiriam a ausência dos amigos em partidas
disputadas, cheias de rivalidade, dos outros amigos ao redor apreensivos na
torcida.
Mas pensando bem o que é uma mesa de
madeira, se será substituído por uma máquina potente, maravilhosa, de infinitas
possiblidades, que ocupará todo seu tempo, toda a sua vida dali por diante. Uma
máquina na qual faltam mãos para mexer tantos botões.
Aliás, quem sentiria falta de uma
mesa que na realidade, quase não servia para nada a não ser trancar canto no
quarto. Se livrando da mesa, abre mais espaço, é uma quinquilharia a menos no
quarto.
Já o computador/tablet/notebook, não
ocupa espaço, mas sim agrega valor, imagine aquela casa nunca mais será a mesma
depois da internet. A partir de agora não haverá mais aquele diálogo cheio de
felicidade, não haverá mais entusiasmo na voz, nem nos ouvidos daquelas
pessoas, para contar ou ouvir aquelas histórias do futebol de botão. Não haverá
mais o gol inesquecível, não haverá mais a virada histórica, não haverá mais
interação.
A partir de agora, cada um ficará em
seu mundo particular, preocupado com seu grupo no WhatsApp, com o que as
pessoas vão dizer sobre a foto no facebook, o que fazer para ganhar mais e mais
seguidores.
Aquela mesa jogada aos fundos da
casa representa muito mais do que o fim do futebol de botão, representa a
ruptura de um laço familiar.
PUBLICADO
NO JORNAL
FOLHA
DE NOVA HARTZ
SEMANAL
ANO XI EDIÇÃO N° 386
SEXTA-FEIRA
23 DE OUTUBRO DE 2015