sexta-feira, 30 de outubro de 2015

PERDAS



Antonio Silva

Perdemos a humanidade,
Nos tornamos meros,
Objetos de manipulação,
Ideológica maléfica.

Temos que abrir mão de tudo,
Dar tudo ao mesmo tempo.

Mesmo assim seremos pré-julgados
Mortos pela ausência de inteligência,
Que reina em alto e bom som,
Na inteligência imaginativa.

O CELULAR DA MAÇA MORDIDA


Antonio Silva

            Quando decidi comprar um não imaginava o que ele representava. Apenas queria um aparelho que fosse bom, que tivesse uma câmera de alta resolução, boa memória e com uma bateria durável.
            Depois do trauma e do aparelho anterior e do rompimento com aquela marca, resolvi apostar na maçã mordida, queria ver se ele realmente era tudo aquilo que falavam. – E olha era mesmo! – Muitas funções e tudo o resto que eu buscava, porém, descobri o lado ou o posicionamento social que ele representa.
            Para mim ele é apenas um aparelho celular de alta capacidade que atende as minhas necessidades.
Mas para a grande maioria que o possuí ou (o deseja), ele é um objeto de status social, é um objeto de desejo insano para satisfazer a vontade de possuir algo valioso. É uma espécie de passaporte do “poder” o utilizam para classificar os membros do grupo.
É como se aqueles que possuem o celular da maçã mordida fossem os líderes do grupo, são eles que ditam as regras, a moda, o comportamento... Enfim os possuidores dessa maravilha tecnológica, estão moldando a sociedade ao seu redor com valores inúteis.
Quando percebi isso, olhei para mim mesmo, pois diretamente eu possuo um celular da maçã mordida, mas não me encaixo nesses perfis, não sou viciado em internet, não ando na moda, não sigo a maioria das regras desses grupos, não faço praticamente nada do que eles fazem, o que temos em comum (se é que temos algo em comum) é possuir a maravilha tecnológica da maçã mordida.
Ao chegar a essa conclusão, cheguei a pensar ali, que eu finalmente estava construindo algo, talvez ali eu estivesse criando um movimento de “contracultura” em relação à utilização dos aparelhos. Afinal eu não me deixei idiotizar pelas atitudes da maioria, eu não coloquei o “ter” antes do “ser”. Cheguei a pensar também que eu apenas tinha adquirido a tecnologia.
Mas eu preciso ser sincero com quem está lendo e também comigo mesmo. Eu não criei movimento de contracultura ou algo assim, eu não sobrevivi aos anseios da moda, eu não me rejeitei aos grupos. Não aconteceu nada disso, e não é porque eu escrevi isso que irá acontecer.
Eu apenas fui excluído por uma tecnologia que eu sequer ainda terminei de pagar.

domingo, 25 de outubro de 2015

A MESA E A INTERNET

Portinari

Antonio Silva

Há alguns dias atrás, por instantes, me reencontrei com minha infância, vi uma mesa de futebol de botão. Eu nunca tive uma daquelas, nem sequer joguei futebol de botão na minha infância. Mas lembro com carinho e certa saudade de quando eu e mais dois amigos resolvemos montar uma mesa, reunimos papelão e tintas para confecciona-la e nossas economias seriam usadas para comprar os botões. A ideia acabou por não dar certo e esquecemos-nos do assunto.
            Recordei tudo isso ao ver uma mesa em processo de abandono em alguma residência por ai, digo processo, pois ela estava jogada ao relento no fundo da casa, e também porque naquele momento estava sendo instalada na casa uma antena para o sinal da internet.
            Ali tive certeza absoluta que a mesa sairia de campo, que o futebol de botão ficaria para trás, que seria substituído por alguma das maravilhas tecnológicas atuais que contribuem diretamente para o isolamento e o empobrecimento intelectual.
            A mesa seguia ao relento, indiferente ao tempo, ao sol que a castigava, parecia prever o fim próximo, parecia não se importar com mais nada. Sabia que o abandono era certo, que dali em diante sua melhor companhia seria a chuva e o vento.
            Não sei se seu dono ou dona sentiriam saudades, não sei se sentiriam a ausência dos amigos em partidas disputadas, cheias de rivalidade, dos outros amigos ao redor apreensivos na torcida.
            Mas pensando bem o que é uma mesa de madeira, se será substituído por uma máquina potente, maravilhosa, de infinitas possiblidades, que ocupará todo seu tempo, toda a sua vida dali por diante. Uma máquina na qual faltam mãos para mexer tantos botões.
            Aliás, quem sentiria falta de uma mesa que na realidade, quase não servia para nada a não ser trancar canto no quarto. Se livrando da mesa, abre mais espaço, é uma quinquilharia a menos no quarto.
            Já o computador/tablet/notebook, não ocupa espaço, mas sim agrega valor, imagine aquela casa nunca mais será a mesma depois da internet. A partir de agora não haverá mais aquele diálogo cheio de felicidade, não haverá mais entusiasmo na voz, nem nos ouvidos daquelas pessoas, para contar ou ouvir aquelas histórias do futebol de botão. Não haverá mais o gol inesquecível, não haverá mais a virada histórica, não haverá mais interação.
            A partir de agora, cada um ficará em seu mundo particular, preocupado com seu grupo no WhatsApp, com o que as pessoas vão dizer sobre a foto no facebook, o que fazer para ganhar mais e mais seguidores.
            Aquela mesa jogada aos fundos da casa representa muito mais do que o fim do futebol de botão, representa a ruptura de um laço familiar.



PUBLICADO NO JORNAL
FOLHA DE NOVA HARTZ
SEMANAL ANO XI EDIÇÃO N° 386
SEXTA-FEIRA 23 DE OUTUBRO DE 2015