Gustav Klimt
Antonio Silva
Foi
a primeira vez que os vi, e é bem provável que seja a única. Nos encontramos
por acaso. Não sei se posso chamar de encontro, pois foram meus olhos que os
encontrou numa parada de ônibus por ai.
Os dois devem estar casados há
muitos anos, a velhice denuncia a convivência, devem ter vivido uma vida
intensa, filhos, trabalho, casa, obrigações sem fim. Devem ter se apaixonado a
primeira vista, se amado intensamente, sobrevivido a muitas dificuldades e
alcançado muitas coisas juntos.
Esse casal me contou isso apenas no
olhar, mas, mesmo que não tivesse contado eu saberia. O abraço dos dois era
sincero, era o abraço de quem deseja estar com alguém à vida toda. Era o abraço
de quem buscou o amor no gesto mais simples, na pureza do olhar.
Aquele era o abraço de dois jovens
apaixonados de mais de setenta anos. É aquele abraço que perdoa tudo, é aquele
abraço que perdoa o tempo. É aquele abraço que afirma que não há erros no
presente. Que o medo por mais que tenha existido naquela relação foi ingênuo,
mas, que foi acima de tudo insuficiente.
Os corpos encaixados numa transa
braçal entregam o quanto amor aquele casal ainda sente, o quanto ainda um tem
apreço pelo outro, o quanto os dois prezam pelo bem um do outro. Aquele abraço
era a extensão física do amor.
Eu segui viagem. Os dois ainda
ficariam ali não sei por quanto tempo, como dois namorados no primeiro abraço.
Um abraço igual, com o mesmo calor e com a mesma intensidade do abraço do
primeiro encontro, do primeiro beijo, da primeira dança.
Na vida deles o abraço é o sim de
todos os dias. O abraço é o sorriso do corpo. O abraço é saber que mais um dia
será completo pela companhia do outro, que senão é perfeita é mais que
necessária, pois o amor nasce das imperfeições para se tornar necessário e
vital para os seres humanos.
O calor daquele abraço é força da
vida de cada um. É a chama que diz para eles tentarem de novo amanhã, pois para
quem ama o amanhã é sempre belo. O amanhã é o presente do amor. No caso deles o
amanhã é a oportunidade do abraço, se não tão longo e apertado como na
juventude, cada vez mais essencial e verdadeiro para afastar a solidão da
velhice.
O abraço é o reencontro, é o roçar dos
rostos na inocência do gesto. O Abraço deles é longo, é sincero, é apaixonante.
O abraço deles é de alma, é aquele abraço que rompeu as fronteiras do corpo.
Quando
vi aqueles dois abraçados, desejei abraçar alguém assim
para sempre.
PUBLICADO
NO JORNAL
FOLHA
DE NOVA HARTZ
SEMANAL
ANO X EDIÇÃO N° 371
SEXTA-FEIRA
24 DE ABRIL DE 2015