domingo, 26 de abril de 2015

A TERNURA DO ABRAÇO


Gustav Klimt

Antonio Silva

Foi a primeira vez que os vi, e é bem provável que seja a única. Nos encontramos por acaso. Não sei se posso chamar de encontro, pois foram meus olhos que os encontrou numa parada de ônibus por ai.
            Os dois devem estar casados há muitos anos, a velhice denuncia a convivência, devem ter vivido uma vida intensa, filhos, trabalho, casa, obrigações sem fim. Devem ter se apaixonado a primeira vista, se amado intensamente, sobrevivido a muitas dificuldades e alcançado muitas coisas juntos.
            Esse casal me contou isso apenas no olhar, mas, mesmo que não tivesse contado eu saberia. O abraço dos dois era sincero, era o abraço de quem deseja estar com alguém à vida toda. Era o abraço de quem buscou o amor no gesto mais simples, na pureza do olhar.
            Aquele era o abraço de dois jovens apaixonados de mais de setenta anos. É aquele abraço que perdoa tudo, é aquele abraço que perdoa o tempo. É aquele abraço que afirma que não há erros no presente. Que o medo por mais que tenha existido naquela relação foi ingênuo, mas, que foi acima de tudo insuficiente.
            Os corpos encaixados numa transa braçal entregam o quanto amor aquele casal ainda sente, o quanto ainda um tem apreço pelo outro, o quanto os dois prezam pelo bem um do outro. Aquele abraço era a extensão física do amor.
            Eu segui viagem. Os dois ainda ficariam ali não sei por quanto tempo, como dois namorados no primeiro abraço. Um abraço igual, com o mesmo calor e com a mesma intensidade do abraço do primeiro encontro, do primeiro beijo, da primeira dança.
            Na vida deles o abraço é o sim de todos os dias. O abraço é o sorriso do corpo. O abraço é saber que mais um dia será completo pela companhia do outro, que senão é perfeita é mais que necessária, pois o amor nasce das imperfeições para se tornar necessário e vital para os seres humanos.
            O calor daquele abraço é força da vida de cada um. É a chama que diz para eles tentarem de novo amanhã, pois para quem ama o amanhã é sempre belo. O amanhã é o presente do amor. No caso deles o amanhã é a oportunidade do abraço, se não tão longo e apertado como na juventude, cada vez mais essencial e verdadeiro para afastar a solidão da velhice.
            O abraço é o reencontro, é o roçar dos rostos na inocência do gesto. O Abraço deles é longo, é sincero, é apaixonante. O abraço deles é de alma, é aquele abraço que rompeu as fronteiras do corpo.
            Quando vi aqueles dois abraçados, desejei abraçar alguém assim para sempre.


PUBLICADO NO JORNAL
FOLHA DE NOVA HARTZ
SEMANAL ANO X EDIÇÃO N° 371

SEXTA-FEIRA 24 DE ABRIL DE 2015

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