Foto: Divulgação
O Desafio Farroupilha é um
reality show gaúcho realizado pela RBS TV, afiliada da Rede Globo, no Rio
Grande do Sul. O objetivo do programa é valorizar e exaltar a cultura do Estadol em uma competição que envolve música, dança e outras expressões
do tradicionalismo.
Em 2017, por exemplo, a competição
teve a temática da dança e o grande vencedor foi o CTG Farroupilha, de Alegrete
sendo que a final ocorreu no Teatro Unisinos, em Porto Alegre. Em 2018, a
temática foi inclusão social.
Como o próprio
quadro anunciou o reality “Desafio Farroupilha 2018”, seria diferente e
realmente foi, pois na sua quinta edição, o tema foi inclusão social. A escolha
se deu para contar a história de uma moça cega que é apaixonada pela cultura
gaúcha.
O reality nas
suas edições anteriores sempre teve um viés competitivo, que termina com a
apresentação final dentro do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (ENART),
considerado o maior evento de arte da cultura gaúcha. Mas, logo no primeiro
episódio a diferença ficou clara, pela primeira vez o reality não seria uma competição.
O fato de não
ser uma competição foi explicado pelos apresentadores no início, logo com
1m44s, mas o que isso tem haver? No universo da inclusão tudo! Pois justamente
quando se trabalha a ideia de incluir e mostrar o mundo da pessoa com
deficiência não se compete, ou seja, se passa uma ideia de que as pessoas com deficiência não tem essa
capacidade para competir.
Outro ponto
importante é a apresentadora evidenciar o fato do reality ter LIBRAS e
audiodescrição, como se isso “engrandecesse” a iniciativa do programa, mas para
quem não sabe tanto LIBRAS quanto a audiodescrição são mecanismos de
acessibilidades previstos na Lei Brasileira de Inclusão n° 13.146/2015.
Art.
65. As empresas prestadoras de
serviços de telecomunicações deverão garantir pleno acesso à pessoa com
deficiência, conforme regulamentação específica.
Ainda sobre o
episódio um, ficou claro em vários momentos a falta de conhecimento de causa
dos envolvidos, cometeram erros primários como confundir cego e deficiente visual,
além disso, inúmeras vezes se repetiram as expressões “exemplo de superação, inspiração”, frases que dentro do conceito
inclusivo, dificultam a inclusão de fato e distanciam a pessoa com deficiência
das demais.
Entenda a
diferença entre cegueira e deficiência
visual:
Cego: É considerada cega a pessoa que
não tem ou nunca a possibilidade de enxergar, já a pessoa com deficiência visual, tem diferentes graus de visão.
Vale ressaltar
o nome do desafio “Olhos do coração”,
logicamente, todos sabemos, que os corações não tem olhos e que nenhum cego
enxerga pelo coração, mas então por que usar essa expressão? Simples! A
utilização de figuras de linguagem, principalmente, emotivas evitam a discussão
e a reflexão sobre determinado assunto, no caso, a inclusão de fato das pessoas
com deficiência.
No episódio 2: Foi importante mostrar
outros exemplos de inclusão em outras localidades, mas em todos eles se
supervalorizou a ação, colocando tanto a pessoa com deficiência quanto os
agentes inclusivos com seres diferenciados, quando na verdade apenas cumpriram
seu papel. Novamente apareceu muito a ideia do exemplo, como se fosse obrigação de uma pessoa com deficiência ser
exemplo para as demais. Outro ponto interessante foi usar o exemplo do Daniel,
menino surdo-mudo, dizendo que ele aprendeu muito rápido, como se alguém que
não fala e não ouve não pudesse aprender outras coisas.
Ainda nesse
episódio um detalhe foi esquecido, em determinado momento aparece um moça
surda, porém, oralizada fato que não foi
explicado, sendo que o censo comum diz que todo surdo é mudo e vice-versa,
mas na verdade isso é mito.
Nesse episódio
também foi presente a ideia “Dom de ver, reclamar menos, pelo menos ouvimos a
música e voz do coração”, essas expressões mesmo que de forma não intencionais
demonstram preconceito.. Devo reclamar menos por andar quando encontro um
cadeirante? Não! Devo entender que o fato dele não andar não o torna um coitado
ou incapaz, e evidenciar as demais qualidades dele. Esse tipo de frase citada
acima isola, consola e impede um olhar amplo sobre a capacidade da pessoa com
deficiência.
No episódio 3, um das coisas que mais marca
é a ingenuidade da ideia do “Troca de papéis”, como se viver algumas horas ou
um dia a experiência de uma deficiência pudesse fazer com que alguém entendesse
a complexidade da situação, isso além de não funcionar, ainda reforça
sentimentos como superação, heroísmo entre outros que como citado
acima atrapalham no processo inclusivo.
Neste
episódio, logo aos 0:48s, o apresentador reforça a ideia de que não haverá competição no reality. É neste que mais elementos errados são
possíveis de encontrar palavras com “deficiente,
transformação, males da deficiência, força de vontade, sofrimento” entre
outros que marcam muito. É nele também que durante a troca de papéis que uma
moça caminha sobre o piso tátil vendada dizendo que ele ajuda, sendo que esse
piso é para ser tocado com a bengala, e também não se explica o que piso
significa nem para que serve aquele que ela “andou” sobre.
O episódio 4, da atenção a acessibilidade
dos CTG´s e mostra bons exemplos de adaptação, porém, novamente são comuns as
expressões “deficientes, guerreiro,
batalhador”, e novamente se confunde cego
e deficiente visual, uma das frases mais marcantes do episódio “Vieram para salvar as outras pessoas”,
como se uma pessoa com deficiência fosse um recado de Deus, um castigo ou um
alerta.. E sabemos que a deficiência é uma condição da vida humana, então não
cabe à ideia de castigo nem de benção.
O episódio 5, é a apresentação final,
nele novamente estão presentes a ideia de superação, sentir na pele entre
outras já citadas acima.
Considerações finais
Dizer que a
mídia precisa evoluir muito para falar de pessoa com deficiência é, chover no
molhado, por isso, eles deveriam dar mais atenção a causa e entender a
importância de usar a nomenclatura correta, de não misturar conceitos, combater
a ideia de capacitismo.
Em todos os episódios a apresentadora fez
questão de lembrar da LIBRAS e audiodescrição como se isso fosse um
“algo a mais” quando na verdade é obrigação das empresas de comunicação
oferecer acessibilidade.
A formação
acadêmica tem certa culpa nesse processo, afinal seja qual for o curso, o
ensino é raso e não se da à devida atenção as causas como a da pessoa com
deficiência. Mas, cabe ao jornalista se preparar, estudar e buscar conceitos
com especialista, pois a abrangência de uma produção jornalística como esta é
imensa, desta forma as informações e conceitos apresentados errados ou como
similares compromete muito o processo de inclusão, principalmente, em uma
sociedade na qual as pessoas tem o hábito de aprender pela televisão.
Desta forma e diante dos conceitos apresentados,
é possível afirmar que o “Desafio Farroupilha” não é inclusivo, pois peca em
questões primordiais para o processo de inclusão, além de ter se mostrado capacitista, supervalorizando as ações
de uma pessoa com deficiência e criando a ideia de é preciso uma “super ação” para de fato incluir.