Imagem: Google
Antonio Silva
Lá
estava ele deitado na calçada com uma bala alojada no centro esquerdo do peito,
dali em diante serviria apenas para duas coisas: molde para risca de giz branco
feita pela polícia e mais um número para as estatísticas do estado.
Justo
ele que de nada reclamava, naquele dia sorriso no rosto, contracheque no bolso,
o salário era mínimo, mas dava para pagar as contas e viver feliz na pequena
casa no pequeno bairro longe de quase tudo, inclusive dos olhos do governo.
Justo
ele que só sabia trabalhar, pagava seus impostos em dia, vivia sua vida em seu
mundinho particular, não gostava de futebol nem torcia, não bebia nenhum
derivado de álcool, não entendia de economia, matemática, juros, inflação,
filosofia, engenharia, medicina.... Enfim a ignorância também é uma maneira de
ser feliz.
Antes
de tudo acontecer, ele estava na parada de ônibus, embaixo de um sol de lascar,
esperava... Parecia que o desodorante popular não ia aguentar, mas logo o
ônibus veio, embarcou sentar seria um sonho, em pé mesmo, sentia os cabelos
molhados, o suor escorrer pelo seu rosto, a pele morena transpirando parecia
brilhar. Os buracos na pista sacudiam o veículo, o som das buzinas, motores,
freadas e arrancadas disfarçavam o barulho do seu estômago que brigava com a
fome. Ele fechava os olhos respirava fundo e sorria.
Sorria
porque tinha dinheiro no bolso, pagaria as contas, dormiria em paz por saber
que não devia nada, talvez se sobrasse levaria sua mulher para jantar, ele
amava aquela mulher, dizia ser seu presente de Deus. Era o ponto final, deveria
ser apenas sua parada, mas foi seu ponto final.
Ao
descer e caminhar um pouco sentiu um calor ardente, mais forte e dolorido que o
calor do sol. Não foi um disparo de luz, veio de longe, voando veloz, rasgando
o vento, girando no seu próprio eixo, aparentemente sem direção tanto que
ninguém a viu, apenas ouviram e quando viram ele estava no chão.
Arrombou
o poro sudoríparo, destruiu a terminação nervosa, atravessou a fronteira com a
epiderme, ignora os tecidos, esfacela o caminho, vai diminuindo a velocidade
até ocupar um lugar definitivo naquele coração. Ouve-se gritos, desespero,
telefonam para a família, para a polícia, para ambulância, ele apenas escuta,
como se fosse alheio a tudo aquilo, aos poucos fechava os olhos, mas ainda viu
os flashes que no outro dia estampariam os jornais, se seria vítima ou queima
de arquivo pouco importava, não estaria vivo para ver mesmo. O socorro chegou
tarde, suas forças já tinham acabado.
Não
pagou as contas, nem pagará, não levará a mulher para jantar, nem irá voltar
par casa. Foi assim que ele tornou-se famoso, estampou jornais, foi notícia na
televisão, foi assim que ele se tornou o estatístico, deixou de ser cidadão
para se tornar um número, um dado. Dados nos quais a presidenta no centro da
mesma cidade discursava dizendo que as políticas do estado estavam coibindo a
violência, mas nem sabia ela seus dados tinham acabado de ficar desatualizados
e que também tinha perdido um possível eleitor.
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