quarta-feira, 6 de agosto de 2014

17 ANOS

Imagem: Theo Szcepanski


 Antonio Silva
17 Anos
(menor de idade)
Morto com dois tiros pela polícia.
Mas, poucos conhecem sua história, ele antes de ter o desfecho trágico, já havia morrido dezessete vezes.
Morreu mesmo antes de nascer, sua mãe adolescente ironicamente tinha dezessete anos quando morreu para os sonhos de menina, ao ser abusada pelo homem que deveria ser o pai dele. A morte assombrou ela por nove meses, gestação indesejada, casamento indesejado, brigas, por inúmeras vezes, de inúmeras formas tentou se “livrar” do filho objeto indesejado.
Morreu já ao nascer, a mãe finalmente se livrava daquele peso, e mesmo sem culpa ao nascer expulsou de suas vidas seu genitor, já que nunca foi seu pai. A mãe sepultava todos os dias os últimos desejos diante das dificuldades e do abandono de todos. Encontrava no cigarro, na cerveja e na cachaça um antídoto corrosivo.
Morreu ao beber o leite batizado que indiretamente já o viciava nas drogas livres. Recebia do seio materno a herança de um mundo sem perspectiva, sem esperança, sem sorrisos, sem afeto.
Morreu na expectativa de uma festa de aniversário de primeiro ano, desacreditou na não vinda de um misero presente. Presente que nunca veio nem páscoa nem no dia das crianças e nem no natal.
Morreu no primeiro dia de aula pela falta de materiais, morreu na concorrência desleal com os colegas não ricos, mas, ricos o suficiente para despreza-lo.
Morreu na solidão da tentativa do aprendizado, sozinho na escola, esquecido em casa, não suportou a pressão desistiu logo da incessante batalha das letras.
Morreu na ausência de um exemplo, de tanto ver a mãe fumar e beber, começou ao natural, e a cada dia se parecia mais ao pai que nunca teve, mas, que renasceu na violência contra a mãe.
Morreu na insatisfação das drogas livres, até conhecer o fascínio do alivio das drogas pesadas, mas, o prazer demandava dinheiro e não bastava vender a alma para o Diabo era preciso ter dinheiro, mesmo vendendo a casa toda ainda precisava de mais, e os pequenos furtos não ajudavam mais.
Morreu ao ver a mãe definhar com cirrose e câncer de pulmão na infinita fila do SUS, e mesmo no seu universo de valores inversos sentiu pela primeira vez na mais completa solidão.
Morreu ao ver sua divida com o demônio das drogas pesadas aumentarem, e sabia que querer sair era apressar o reencontro com a mãe, sabe lá onde ela estivesse.
Morreu na ignorância que fechou todas as suas portas na tentativa de arrumar um emprego qualquer apenas para sustentar seu vicio.
Morreu na inexperiência do trabalho novo, morreu ao tentar assaltar uma casa lotérica, e ser surpreso pela policia que passava no local.
Morreu finalmente! As duas balas romperam não apenas sua pele e dilaceraram o que ainda restava por dentro, e sim o libertaram daquela escravidão social que o castigou durante aqueles longínquos dezessete anos, enfim livre, enfim um problema governamental a menos.
Morreu no silêncio de tantos gritos de socorro.
Morreu antes que a pergunta: O que poderia ter sido diferente? Pudesse ser respondida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário