Antonio Silva
Só ele sabia da importância de vestir aquela camisa
branca de listas horizontais azuis, calções e meias igualmente brancas. Quando
entrava em campo corria mais que todos, brigava mais que todos, seu desejo de
vencer contagiava a todos.
Ele era um dos poucos que ainda jogava por amor, jamais
aceitou trocar de time porque amava demais aquelas cores, nunca se imaginou com
outras cores que não fossem as daquele time, nem no seu pior pesadelo pensou em
vestir vermelho e preto (as cores do maior rival).
Seu amor era maior até que o cansaço, ele contrariava as
leis biológicas, parecia não cansar, treinava a exaustão, e depois do treino
continuava a treinar faltas e pênaltis. Marcava em praticamente em todos os
jogos, era o jogador decisivo, os torcedores sabiam que com ele em campo o time
jamais perderia, dizem os mais apaixonados que com ele em campo o time jamais
perdeu.
Dizem ainda que ele jamais perdeu um pênalti nos anos que
esteve lá, os torcedores o idolatravam a ponto querem uma estátua dele no
estádio, pediam para imortalizar sua camisa, mas ele queria mesmo é fazer gols,
vencer, fazer história e alegrar o mais fanático torcedor daquele clube, ele
mesmo.
Mas, nem tudo isso foi suficiente para evitar que um dos
diretores pedisse sua saída, segundo ele o time precisava se renovar, apostar
em jovens, de acordo com esse diretor ele já estava velho demais e depois do
jogo o presidente deveria chama-lo e dizer que seu contrato estava encerrado.
Naquele dia havia jogo contra o maior rival (o time de
camisa vermelha e preta) ele deixou o seu numa cobrança de falta magnifica que
garantiu a vitória. A alegria da vitória perdeu-se na tentativa de entender o
motivo do desligamento, pois ele ainda tinha condição de jogar, ainda mostrava
em campo que estava em plena forma, mas, se era o melhor para o clube ele
aceitou. E nem mesmo os protestos da torcida fizeram a direção mudar de ideia.
Pela primeira vez sentiu-se sem chão, sem saber o que
fazer, pois a vida toda veio aquele lugar e agora o que faria? Nessa época o
futebol ainda não fazia milionários como hoje, precisava arrumar algo logo,
precisava colocar comida na mesa.
Continuou treinando sozinho no campo de terra perto de
sua casa até aparecer algo, mas, nada aparecia. Logo completava seis meses que
ele estava sem jogar, até que apareceu uma proposta do rival (aquele time
vermelho e preto) pensou em não aceitar, o torcedor em si negou com todas as
forças, mas, o atleta precisava colocar comida na mesa, por isso, disse sim!
No lado azul e branco a notícia caiu como um balde de água
fria, chamaram-no de traíra, de vira-casaca, de outras coisas que não convém
escrever aqui, mas, ele não tinha outra escolha.
A camisa vermelha e preta não caiu bem, ficava desconfortável,
pesada, irritava seu corpo, mas, ele precisava. Logo no primeiro jogo mesmo sob
a desconfiança da torcida vermelha já marcou, mas, não sentiu o mesmo prazer de
sempre.
Os jogos foram acontecendo, ele alternava entre boas e
más atuações e quase em nada lembrava o craque que era quando jogava no agora
rival (o time de camisa azul e branca). Até que chegou o momento de maior
tensão o clássico entre vermelhos e azuis, entre seu antigo time e seu atual.
Como seria jogar contra seu coração? Contra sua torcida? Contra seu time?
Ele pensou tanto nisso que na sexta-feira, dois dias
antes do jogo sentiu a coxa esquerda, estava fora do jogo. Havia uma remota
chance, ele pediu para ficar no banco. E sentiu pela primeira vez ao entrar em
campo o que aquela mudança significava, pois ele foi aplaudido pela torcida
azul, foi à forma deles agradecerem por tudo. No jogo seu time (o time
vermelho) venceu o time azul.
Dizem alguns torcedores vermelhos que a lesão foi fajuta
ou de fundo emocional apenas para não jogar contra seu clube do coração, mas,
de fato é que naquela tarde sentado no banco de reservas ele chorou.
PUBLICADO NO JORNAL
FOLHA DE NOVA HARTZ SEMANAL ANO X EDIÇÃO N° 351 SEXTA FEIRA 03 DE OUTUBRO DE
2014
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