sexta-feira, 3 de outubro de 2014

AQUELE DIA, SENTADO ELE CHOROU



Antonio Silva

            Só ele sabia da importância de vestir aquela camisa branca de listas horizontais azuis, calções e meias igualmente brancas. Quando entrava em campo corria mais que todos, brigava mais que todos, seu desejo de vencer contagiava a todos.
            Ele era um dos poucos que ainda jogava por amor, jamais aceitou trocar de time porque amava demais aquelas cores, nunca se imaginou com outras cores que não fossem as daquele time, nem no seu pior pesadelo pensou em vestir vermelho e preto (as cores do maior rival).
            Seu amor era maior até que o cansaço, ele contrariava as leis biológicas, parecia não cansar, treinava a exaustão, e depois do treino continuava a treinar faltas e pênaltis. Marcava em praticamente em todos os jogos, era o jogador decisivo, os torcedores sabiam que com ele em campo o time jamais perderia, dizem os mais apaixonados que com ele em campo o time jamais perdeu.
            Dizem ainda que ele jamais perdeu um pênalti nos anos que esteve lá, os torcedores o idolatravam a ponto querem uma estátua dele no estádio, pediam para imortalizar sua camisa, mas ele queria mesmo é fazer gols, vencer, fazer história e alegrar o mais fanático torcedor daquele clube, ele mesmo.
            Mas, nem tudo isso foi suficiente para evitar que um dos diretores pedisse sua saída, segundo ele o time precisava se renovar, apostar em jovens, de acordo com esse diretor ele já estava velho demais e depois do jogo o presidente deveria chama-lo e dizer que seu contrato estava encerrado.
            Naquele dia havia jogo contra o maior rival (o time de camisa vermelha e preta) ele deixou o seu numa cobrança de falta magnifica que garantiu a vitória. A alegria da vitória perdeu-se na tentativa de entender o motivo do desligamento, pois ele ainda tinha condição de jogar, ainda mostrava em campo que estava em plena forma, mas, se era o melhor para o clube ele aceitou. E nem mesmo os protestos da torcida fizeram a direção mudar de ideia.
            Pela primeira vez sentiu-se sem chão, sem saber o que fazer, pois a vida toda veio aquele lugar e agora o que faria? Nessa época o futebol ainda não fazia milionários como hoje, precisava arrumar algo logo, precisava colocar comida na mesa.
            Continuou treinando sozinho no campo de terra perto de sua casa até aparecer algo, mas, nada aparecia. Logo completava seis meses que ele estava sem jogar, até que apareceu uma proposta do rival (aquele time vermelho e preto) pensou em não aceitar, o torcedor em si negou com todas as forças, mas, o atleta precisava colocar comida na mesa, por isso, disse sim!
            No lado azul e branco a notícia caiu como um balde de água fria, chamaram-no de traíra, de vira-casaca, de outras coisas que não convém escrever aqui, mas, ele não tinha outra escolha.
            A camisa vermelha e preta não caiu bem, ficava desconfortável, pesada, irritava seu corpo, mas, ele precisava. Logo no primeiro jogo mesmo sob a desconfiança da torcida vermelha já marcou, mas, não sentiu o mesmo prazer de sempre.
            Os jogos foram acontecendo, ele alternava entre boas e más atuações e quase em nada lembrava o craque que era quando jogava no agora rival (o time de camisa azul e branca). Até que chegou o momento de maior tensão o clássico entre vermelhos e azuis, entre seu antigo time e seu atual. Como seria jogar contra seu coração? Contra sua torcida? Contra seu time?
            Ele pensou tanto nisso que na sexta-feira, dois dias antes do jogo sentiu a coxa esquerda, estava fora do jogo. Havia uma remota chance, ele pediu para ficar no banco. E sentiu pela primeira vez ao entrar em campo o que aquela mudança significava, pois ele foi aplaudido pela torcida azul, foi à forma deles agradecerem por tudo. No jogo seu time (o time vermelho) venceu o time azul.
            Dizem alguns torcedores vermelhos que a lesão foi fajuta ou de fundo emocional apenas para não jogar contra seu clube do coração, mas, de fato é que naquela tarde sentado no banco de reservas ele chorou.

PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE NOVA HARTZ SEMANAL ANO X EDIÇÃO N° 351 SEXTA FEIRA 03 DE OUTUBRO DE 2014

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