sábado, 28 de junho de 2014

AQUELE OLHAR CANINO

Imagem: Google

Antonio Silva

Confesso que ainda procuro entender qual a minha relação com esses animais. De fato durante toda minha vida sempre houve um cão fazendo parte dela. Lembro do primeiro ainda bem gurizinho na casa do meu bisavô. Cão de caça, bravo, ficava amarrado longe da casa, era o companheiro do meu avô nas andanças e ao mesmo tempo o guardião do lar. O fascínio por aquele animal fazia meus olhos brilharem.
Segui crescendo e sempre havia um canino no meu cotidiano, também lembro com clareza daquele branco pequeno que havia na casa da minha avó paterna, muito bonito mesmo, mas, alheio ao afago infantil. Logo depois teve também o maior cachorro de minha vida. O qual meu pai e eu buscamos quase morto, minado em pulgas e faminto, mas, que graças a nossos cuidados se transformou em um grande e forte cão preto, que sempre demonstrou gratidão nos tombos que me deu para brincar.
O que importa nisso tudo é que não cresci sozinho, sempre tive um cachorro a me fazer companhia, e a mais marcante já está há mais de dez anos comigo, uma cadela vira-lata amarela extremamente dócil, que tem como parceira um pinscher pretinho barulhento. Mas, há algo especial entre os cães e eu, às vezes, até penso que tenho cara de cachorro, pois sempre há um próximo de mim. E devo admitir sou mais feliz por isso.
Mas, de fato é que meus olhos sempre são atraídos pela magia destes animais, exemplos de companheirismo, de inteligência, de sabedoria. Se não são dotados pelo dom de falar, suas expressões dizem tudo, pois não existe ser no mundo que se compare ao cachorro quando o assunto é perdoar. Faça o que quiser um cão, mas, quando você chamar ele vai balançar o rabo e vir até você, esse é gesto que perdoa qualquer ato, e sem pedir nada em troca.
Em todos os lugares que vou sempre procuro observar os cachorros. Grandes, pequenos, magros, gordos, os que eu sonhava ter, os que eu já tive. Os que contrariam a lógica e dormem em cima da casa, os calmos, os estressados... Enfim cachorro é a certeza que naquele lugar há algo bom, mesmo que sejam apenas os próprios cachorros.
Na universidade na qual estudo, há uma matilha de cães circulando, às vezes, imagino que nas entranhas escuras dos altos prédios há uma graduação canina. Sempre na pressa cruzo com um cachorro a andar entre os meus colegas estudantes.
E foi numa noite que presenciei uma cena. Estava parado próximo a porta de um dos prédios quando um dos seguranças vem em minha direção, e logo atrás dele vinha uma cadela amarela, seguia-o pelos corredores parecendo pedir algo.
Para quem viu a cena, talvez pense “Queria um pedaço do pastel que ele comia” Mas, minha proximidade com estes animais me dá a certeza que ela não queria seu pastel. Por um tempo observei a cadela, porte médio, bem alimentada, pelo curto, usava uma coleira de pano vermelha já gasta. Se tinha dono, não sei, de repente usava a coleira para disfarçar a solidão.
O homem do alto de seu um metro e noventa, literalmente estava nas nuvens. Incapaz de perceber qualquer coisa a seu redor, nada mais importava para ele do que imaginar a próxima mordida no pastel enquanto ferozmente destroçava a mordida anterior. Tanto que andava de um lado para o outro parecendo perdido, tanto que nem percebia a sua companhia.
Nem percebia que um simples gesto seu poderia fazer aquele animal mais feliz, talvez ele fosse se tornar mais feliz. E tudo poderia ter um desfecho melhor se ele fizesse a aquela cadela amarela o que ela mais lhe pedia, e não pense que era um pedaço do pastel, talvez até aceitasse se ele quisesse dar, mas, o que ela realmente queria mesmo era o que seus olhos tristes diziam.
E tenho certeza que mesmo que estivesse com fome, frio, perdida, um simples carinho faria toda a diferença para aquele animal.Sei disso, porque era isso que aquele olhar representava. E olhar de um cachorro nunca mente.


PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE NOVA HARTZ SEMANAL ANO X EDIÇÃO N° 342 SEXTA-FEIRA 27 DE JUNHO DE 2014

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