domingo, 9 de agosto de 2015

UMA FOTO NA PAREDE

Paulo Mendes Campos


Antonio Silva

Sentado na cadeira em frente à porta, parecia contar os pingos de chuva lá fora, o vidro já embasado não atrapalhava. Certo mesmo é que estava longe, estava no tempo em que desprezava a velhice, que envelhecer era apenas uma palavra no dicionário.
Também era bom naquele tempo não ter noção de distância, saber que o tempo era mais longo, os dias demoravam a passar, mesmo assim desperdiçavam horas e minutos, eles nunca faltariam, amanha teria igual.
As tardes eram sufocadas pelo calor, o sol e seus raios lentos castigavam a pele ainda inocente. Mas vivíamos na tentação da bola, precisávamos nos reunir todas as tardes para vencer as outras faltas. Varávamos o sol, e nos encontrávamos a noite, tentando provar aos outros que éramos melhores.
Nem as brigas ou as futuras inimizades poderiam afastar aqueles meninos magros de cabelos escorridos. Não sabíamos que a terra era redonda, mas a bola era, a bola era a nossa vida. Ignorávamos a fragilidade do corpo, nem sabíamos que a vida era muito mais difícil que driblar entre as pedras soltas da rua. Caíamos com facilidade, mas engolíamos o choro, por questão de honra.
Quem marcasse o primeiro gol seria um herói, carregava o sonho de todos. Pode parecer pesado, mas não era. Éramos felizes e a felicidade também era a maior força. Não tínhamos camisas, os calções eram da cor que tínhamos, nos encontrávamos na terra pela amizade, o olhar certeiro, o passe mágico.
Uma única vez ganhamos uniformes, o time da cidade resolveu trocar, e seu antigo sobrou para nós. Era uma camisa alaranjada com listras pretas. Eram bem maiores que nós, mas nós éramos grandes ao menos em pensamento. Ao vestir as camisas ensaiamos passes, dribles e comemorações.
Jogamos um único campeonato, mas tínhamos pouco a mostrar, as condições (ou a falta delas) não nos deixou passar de um time com um esforçado zagueiro e com jogadores sem qualquer resquício de habilidade. Seríamos lembrados pelas minguadas alegrias.
Mas nem tudo foi tão ruim, antes do campeonato uma velha costureira ajustou os uniformes, mas nós preferiríamos achar que havíamos crescido. E o mais incrível, foi tirar a foto perfilados, como um time de verdade.
A foto foi o que restou da infância, na parede, sobrevive ao tempo. Erámos unidos pelos defeitos, pelas falhas, pelas carências. Não desejávamos nada a não ser jogar futebol, pertencer a aquele mundo.
O tempo antes longo e ignorado, chegou e levou todos, um para cada lado, corremos uma vida, mas nunca nos encontramos não recebi mais os passes, não marquei mais gols. Não se eles continuam ou se se esqueceram de acreditar. O tempo escraviza, amargura, consome, fomos consumidos pelas obrigações.
Tudo o que restou foi à foto na parede. Única lembrança de uma sincera alegria

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