Gauguin
Antonio
Silva
A mudança é sempre uma oportunidade
de recomeçar. Mas, são poucos os que gostam de se mudar. Naturalmente mudança
remete a passado, é reencontrar aquilo que enfiamos em uma gaveta para nunca
mais lembrar. A mudança é o reencontro com a memória, é a prova de que o
passado segue vivo no fundo do armário.
Aquela família era quase uma
andarilha. Era incompleta em quase todos os sentidos. O marido não tinha mulher
os filhos não tinham mãe. Uma casa sem mãe nunca será um lar. Uma mudança sem a
mãe ou a esposa é certeza de esquecer as coisas mais importantes.
Eles tinham muito pouco. Tudo foi em
poucas caixas, as roupas, os móveis, as lembranças, tudo em pequenas caixas.
Para eles a mudança não tinha mais o sentido de recomeço, mas, sim a
oportunidade de esquecer. Mudar-se era esquecer, afinal alguma coisa sempre
ficava para trás.
Esquecer alguma coisa é
absolutamente normal, às vezes, até deixamos na antiga casa coisas que não
queremos mais, ou às vezes, não forçamos a memória para lembrar-se
do que deixamos pelo caminho.
Aparentemente eles não esqueceram
nada, quando se tem pouco, poupa-se a memória, já que tudo cabe no olhar. Tenho
certeza que levaram todos os bens materiais, todos os objetos pessoais, tudo
aquilo que representou uma conquista em suas vidas.
Mas, esqueceram-se do seu amor, da
única demonstração de amor que ainda provava que eles eram humanos capazes de
amar. O pior é que se tivessem esquecidos, poderiam usar a desculpa da pressa,
da ansiedade e de tantas outras coisas para voltar buscar, mas não eles
deixaram para se livrar.
Deixaram na antiga casa os dois cães
que acompanhavam a família. Deixaram, largaram, desprezaram os dois cães que os
amavam com toda a sinceridade mesmo diante da fome, da sede, dos maus tratos,
deixaram pelo caminho a última chance que o amor lhes deu.
Os cães não tem esperança. Eles são
a própria esperança. Os dois seguem em uma permanente vigília na casa esperando
o dono voltar, protegem a casa. Esperam pacientemente o retorno daquele que um
dia prometeu um lar.
Dormem ao relento, passam fome, frio
e outras tantas privações, mas não perdem a pureza. Quando passo por eles
abanam o rabo e com um olhar triste parecem perguntar – Você sabe quando eles
voltam, estamos com saudades – passo por eles em silêncio tentando entender
como esses animais tem uma capacidade inimaginável de perdoar.
Tenho certeza que se eles voltassem
busca-los, seriam recebidos com muita festa. Jamais cobrariam os dias de
sofrimento, de abandono. Simplesmente seriam recebidos com todo o amor que um
animal pode dar para alguém.
Para os cães é mais importante amar
do que cobrar ou exigir, para os cães o abandono, a infelicidade é apenas um
motivo para amar ainda mais, a incompreensão, o ódio, a tristeza tudo isso pode
ser esquecido com um simples afago, um carinho simples, um sorriso simples.
Todo o perdão vem da felicidade e
ternura. Tudo na vida de um cão é festa quando consegue fazer alguém feliz, só
assim eles são felizes também.
Pena que os humanos ainda não
entenderam isso.
PUBLICADO
NO JORNAL
FOLHA
DE NOVAHARTZ
SEMANAL
EDIÇÃO N° 366
SEXTA-FEIRA
06 DE MARÇO DE 2015
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