domingo, 29 de março de 2015

DO AMOR A DEVOÇÃO

Bafta

Antonio Silva

            Eles se amavam de fato. Mas ele não compreendia como ela o amava tanto, tanto mesmo.
            Ela jamais se cansava de agrada-lo mima-lo, de fazer coisas para vê-lo feliz. Até parecia que a felicidade dela estava ligada diretamente a felicidade dele.
            Ele amava muito ela, mas não dava a devida atenção a ela quanto recebia, não abandonava seus compromissos para ficar com ela. Não deixava de trabalhar uma hora a mais para jantar com ela, não abandonava o futebol do final de semana para ficar em casa assistindo filme com pipoca, não trocava o descanso dos feriados para um programa diferente.
            Ela mesmo diante de suas recusas não mudava seus hábitos. Parecia viver para ele, não tinha orgulho, mas tinha algo mais importante, tinha fé. Amar para ela era satisfazer e agradar o marido, e não por ser submissa, mas porque se sentia feliz com  isso.
            Ele nem se tocava o tamanho da dedicação dela. Vivia cheio de compromissos, cheio de reuniões, a esposa ficava sempre em segundo plano, sempre ficava para depois.
            Mas ela jamais mudava seus hábitos sua esperança era a própria explicação, jamais julgava ou questionava seu jeito, amaria ele até depois da morte, amar até a morte era para os amores comuns.
            Ela sempre fará tudo o que dizer, amará até o fim, respeitará sempre, entenderá sempre, perdoará sempre. Ela contraria quem diz que existe apenas uma forma de amar, ela criava formas de amor todos os dias, amava com mais intensidade a cada dia. Correrá riscos, criará coisas novas, criará ambientes.
            Ele parecia ter perdido a ambição, amava, respeitava, cuidava. Mas, os compromissos diários haviam consumido muito mais de seu tempo e sim também sua emoção. Ele se tornou seco, já conhecia seus caminhos do amor, conhecia as formas de amar e isso fazia com que nada mais o surpreendesse.
            Nenhuma das amigas dela entendia tanta devoção, nenhuma delas entendia toda a dedicação dela, aos olhos das outras era quase uma autopunição, ela se doava demais, amava demais.
            Os amigos dele invejavam aquela mulher e cobravam dele maior dedicação, maior atenção, maior envolvimento. Ele apenas respondia que cada um dava o que tinha de melhor.
            Para eles o amor era expectativa, mudavam todos os dias para poder se encantar, para se encontrar, para se quererem de novo. Renunciavam a repetição, queriam sempre as novidades. As novidades evitavam o desespero e reinventam o tempo.
            Nessa história de amor, ela representa a devoção, ele representa o amor.  O amor é alto suficiente e pensa que tudo o que fizer está bom, tudo o que faz é suficiente e sempre mantém uma postura mesmo sendo inseguro.
            Já a devoção é o oposto sempre fará mais e mais, sempre buscará algo novo, algo que encante ainda mais e que possa satisfazer o outro e por mais que consiga sempre buscará mais.
            O amor nunca entende a devoção, mas eles sempre se completam.

PUBLICADO NO JORNAL
FOLHA DE NOVA HARTZ
SEMANAL EDIÇÃO N° 369 ANO X

SEXTA-FEIRA 27 DE MARÇO DE 2015

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