domingo, 8 de fevereiro de 2015

O CAVALO COSTELINHA

Franz Mark


Antonio Silva

                Para ser sincero não sei se ele tem nome, é bem provável que não tenha, mas carinhosamente o apelidei de Costelinha.
                Costelinha, é um cavalo, que diariamente puxa uma carrocinha lotada de material reciclável. Dei a ele esse nome devido a sua magreza extrema, parece ser um esqueleto puxando uma carroça, sem exagero dá para contar suas costelas.
                Às vezes fico a observa-lo em silêncio, a sua imagem esconde minhas palavras. As viseiras impedem que ele me devolva o olhar, que ele compartilhe sua tristeza comigo. Costelinha parece viver em círculos, dia após dia, faz o mesmo trajeto. Suas tristezas já marcaram o caminho. Mas, o relho em seu pelo ralo e sofrido serve apenas para relembrar suas tristezas.
                Assisto essa cena imóvel, sem saber o que fazer, o que pensar, nem se quer posso falar algo. Quem o conduz já perdeu tudo na vida, não digo isso por ele ser apenas um coletor daquilo que para nós é apenas lixo, mas afirmo isso quando vejo ele tratar outro ser vivo como ele desta maneira.
Talvez cego pela desilusão da vida, ele nem perceba que aquele cavalo é muito mais que um simples puxador de carroça, mas sim um membro de sua família, um membro que trabalha sem reclamar abaixo de sol e chuva sem receber o mais simples gesto de agradecimento.
O egoísmo gera mediocridade. Essa é a palavra para definir o homem dono da carroça, um medíocre que mesmo que tivesse todo o dinheiro do mundo continuaria sendo pobre de alma. A cada pancada ou xingamento que dirige à Costelinha, o empurra mais um pouquinho para o corredor da morte. Pobre cavalo, pobre Costelinha, a cada trote mais perto do fim.
Lembro que uma vez olhei em seus olhos e senti vergonha de mim, as viseiras eram seu porta lágrimas, os olhos molhados eram um pedido de socorro. Enquanto eu observava também me olhava, me vi dentro dos olhos dele, em suas tristezas em suas dores. Costelinha é um cavalo sem brilho, sua magreza machuca a pele, suas costelas parecem querer rasgar a pele para fugir cansadas de levar pancadas.
Não sei por quanto tempo Costelinha ainda vai resistir, apenas a grama verde, sem nenhum tipo de proteína não o sustentará por muito tempo. Talvez para ele o fim seja o alívio das pancadas, o alivio do cansaço. Com certeza se existir um céu para cavalos ele irá para lá, será livre, sadio e forte, livre no próprio pensamento.
Costelinha não é feliz, pois vive preso em seus pensamentos, seu dono não criou diálogo, nem afeto, ignorou a criação do idioma universal entre cavalos e cavaleiros. Seu dono não foi sincero ao esconder seus sentimentos.
Não ensinou Costelinha a lembra-lo que ele deve dar banho, comida, carinho, cuidados e principalmente respeito ao animal que desde o dia que se encontraram pela primeira vez passou a ser membro de sua família.
Costelinha é vitima do abandono afetivo do dono que se esquece de olhar o cavalo. Como eu disse Costelinha é magro, fraco, triste, um cavalo sem brilho, sem ambição. Um cavalo que apenas espera da morte algo melhor que o livre da escravidão equina que vive.
Só um detalhe nessa história o dono de Costelinha é gordo, ou seja, tira seu sustento do cavalo e nem as migalhas divide com ele.


PUBLICADO NO JORNAL
FOLHA DE NOVA HARTZ PAG: 02
SEMANAL EDIÇÃO N° 363
SEXTA-FEIRA 06 de FEVEREIRO 2015

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